quarta-feira, agosto 19, 2009

o mito no rádio

Apenas um trecho de coisas que ando lendo... para conhecimento! :)


"O rádio, como ser da cultura, reproduz em suas pautas mecanismos simbólicos cuja intenção é superar as perdas que desestabilizam o homem. Cruzamento entre processos da natureza e os da segunda realidade.

Bachelard (1986, p. 180), em seu artigo 'Devaneio e Rádio', descreve-nos uma transmissão radiofônica apta a transportar o ser falante à sua mais profunda intimidade. A voz do locutor empurra-nos para mais longe, ao centro, ao umbigo do sonho, a um ponto obscuro e ininterpretável:

    Não se trata de escutar esse tipo de transmissão numa sala de baile, num salão. É preciso escutá-la, não digamos numa cabana, isso seria belo demais, mas num quarto, à noite, quando se tem o direito e o dever de colocar em si mesmo a calma, o repouso. O rádio possui tudo o que é preciso para falar na solidão. Não necessita de rosto.

Em seu aspecto material, o rádio suspende a imagem. Seu corpo é voz, considerada carga sonora, e pakavra falada. Palavras e vozes noturnas convidam o ouvinte, no silêncio de si mesmo, à escuta. 'Entramos na noite: começamos precisamente o caminho dos sonhos.' (Bachelard, 1986, p. 180)

Em Freud (1900), sonhos são guardiães do sono. Corpo em repouso, relaxamento da censura: jaculações de imagens de desejo submetidas aos processos de condensação, deslocamento e à elaboração secundária. Assim nos chegam os conteúdos sexuais infantis recalcados. Fusão do passado aos restos diurnos metamorfoseados pelo ego e superego.

A transmissão radiofônica, idealizada por Bachelard, sugere-nos o rádio capaz de fazer o indivíduo perquirir solitariamente suas entranhas e habitar a casa onírica de suas reminiscências. À noite, locutam todas as vozes: as rememorações vividas nos gestos rituais pelo homem arcaico, que encontram transcrição nas reminiscências ritualizadas em flashbacks transmitidos em frequência modulada; as imagens arcaicas dos sonhos."

(in NUNES, Mônica Rebecca Ferrari. O mito no Rádio - A voz e os signos de renovação periódica. São Paulo, ANNABLUME, 1993. p. 40.)

Aos amantes do rádio, radialistas e amantes do sonho, recomendo MUITO esse artigo "Devaneio e Rádio" que foi citado. Excelente!

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