sexta-feira, fevereiro 13, 2009

um pouco de Stockhausen


(...)
Mya Tannenbaum - Não percebi a alusão a uma presumida idade de Aquário.

Karlheinz Stockhausen - Refiro-me ao tempo em que vivemos, o tempo em sentido extraterrestre. Refiro-me aos doze meses universais, de duração aproximadad de dois mil e cem anos cada um. Refiro-me à nossa proveniência do bimilênio de Peixes, que vai de 10 anos a.C. a 1950, e é o signo de Jesus, precedido do signo do Carneiro. A era do Aquário começou em 1950 e vai até 4050. Refiro-me justamente a um traço característico deste signo: o Aquário circunscreve um pouco de cada vez a força irradiante das artes herdada da era dos Peixes. Assim, o artista, privado doravante de toda a defesa individual ou pública, limita a própria atividade a uma forma de expressão esotérica e acaba por se exibir nas obras interiores <>, qual fenômeno rarefeito destinado a poucos eleitos.

MT - Mas quando fala da enorme curiosidade sucitada pela nova música, ao longo destes anos, e da vontade de tomar dela o conhecimento, o Maestro está a contradizer-se, não lhe parece?

KS - A outra característica da era de Aquário é o raciocínio, a tendência para intelectualizar a sensualidade do signo de Peixes. A psicologia moderna exprime também a exigência de uma contínua verificação mental. O que importa é atualizar o que acontece a nível do inconsciente, interrogar o segredo dos sonhos. E estamos apenas no limiar. Não é verdade que o Iluminismo pertença ao passado. A era do esgotamento cerebral mal começou ainda e, neste sentido, assitiremos de novo às perseguições da religião e de toda a aspiração metafísica. A breve trecho, será possível entrar na posse de um tão vasto conhecimento das estruturas do universo, do átomo, da gênese dos seres vivos e das condições do nosso planeta, que não restará mais pequena margem reservada ao vôos da fantasia artística.

MT - Fala desse assunto como de uma epidemia. Todos réus de morte... exceto Stockhausen?

KS - Considere as diversas redes radiofônicas e televisivas, a proliferação de programas destinados a explicar tudo sobre tudo. Quer saber o que ocorreu, um dia destes, ao meu jardineiro? Dirigiu-se à Westdeutscher Rundfunk e declarou: "Aqui onde me vêem, sou um jardineiro que se ocupa de jardins e queria falar de jardinagem". Previno que o valente não fez mais nada até a data do que ocupar-se em estrumar e cuidar das minhas rosas e das de outros empregadores como eu; mas agora subiu de posto e, a partir deste momento, será conferencista radiofónico. Além de estrumar e cultivar, falará de estrume e de cultivo, explicará porquê e como os tomates que produz são mais vermelhos e maiores do que os outros. Em suma, um monte de tagarelices. A questão é esta. Sabe dizer-me como de repente se solta a mola do saber, a mania verbal, enquanto o que importa acima de tudo é a visão interior: perscrutar o segredo de uma obra de arte e, porque não, os mistérios de uma rosa? O raciocínio excessivo acabará por destruir a faculdade de compreender e conhecer as coisas em profundidade. As palavras são amiúde elementos mistificadores e, por isso, perigosas. Não iluminam como uma fotografia, não penetram como um bisturi. Sempre sustentei e mantenho: para descrever um pássaro, é preciso, primeiro, matá-lo. A prática anatômica requer que o objecto esteja morto, que já não se mova." (...)

(trecho tirado de: STOCKHAUSEN, Karlheinz e TANNENBAUM, Mya. Diálogo com Stockhausen. Lisboa: Edições 70, 1985)

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