quinta-feira, janeiro 14, 2010

COMO TOCAR TCHAIKOVSKY NO ESTILO PUNK CABARET, por Amanda Fucking Palmer

(Estou apaixonada por essa mulher. E foi justamente a "moral da história" desse post que me levou a fazer esta livre tradução. Vou fingindo ser tradutora, já que não tem ninguém contando os pontos. :) Você pode ler o texto original aqui.)


* * * *

sinceramente, não posso dizer ao certo por que decidi fazer isso.
acho que meu pensamento inicial foi: “ah, merda. vou tocar na boston pops de novo... eu realmente deveria fazer alguma coisa clássica e me forçar a sentar e praticar.” =
eu nunca, nunca pratico piano. eu odeio. odeio. odeio. odeio praticar piano. ODEIO. RALMENTE ODEIO.

na real: é por isso que eu me estresso com esse trabalho, cara.

quando eu era adolescente, minha mãe me pagou para fazer aulas de clássico. sério. ela ofereceu um aumento de alguns dólares na minha mesada por algumas semanas se eu fizesse isso.
obrigada, mãe, por se importar. eu provavelmente teria tentado a mesma coisa.

mas eu era uma bobinha teimosa, muito teimosa.

eu me sentava na aula, olhando vagamente paras aqueles rabiscos de notas no papel na minha frente, e simplesmente TRAPACEAVA durante as lições, ASSISTIA a professora tocando a peça. eu capturava tudo na minha mente e depois tocava de ouvido. me recusava a olhar para a partitura, e quando eu supostamente devia levar a partitura para estudar em casa, eu simplesmente NÃO QUERIA. eu não praticava.
EU ODIAVA. isso ficou claro?

lembro que uma vez uma professora disse pra minha mãe me comprar um metrônomo pra deixar junto ao piano.
me disseram que eu devia praticar com o metrônomo.

eu não era uma criança extremamente violenta. acho que eu era violenta-normal. sabe, essa coisa típica de puxar o cabelo da irmã e tal.
eu não atirava coisas pra machucar (muito) as pessoas e nem tinha acessos explosivos de raiva. (bom, isso a partir dos 4 anos de idade)
eu era relativamente agradável.

mas juro por deus, aquele maldito metrônomo me fez querer travar guerra com o planeta inteiro, e com energia nuclear.
aquele tic-tac no meu ouvido era o equivalente a alguém colocar a sua cabeça, num dia de ressaca, em cima de uma placa de metal, e bater nela repetidamente com uma bigorna.
eu simplesmente ODIAVA PRA CARALHO.
e então um dia, eu estava sentada na sala, no piano, e deveria estar praticando qualquer coisa, e o metrônomo estava tic-taqueando o seu cruel tic-tac amaldiçoado, peguei ele e arremessei através da sala. ele se estraçalhou na lareira vazia, e nunca mais fez tic-tac.
eu me senti muito, muito culpada, mas também sem vergonha, como se eu tivesse sido tomada por uma força alienígena.
na minha cabeça, aquilo era um Instrumento do Mal e eu tinha realizado um ato de Deus.
nem me lembro se minha mãe ficou brava. acho que talvez ela tenha desistido depois disso.

quando fui para a faculdade (e nesse momento eu já estava bem determinada a ser uma musicista quando crescesse), desenvolvi uma culpa católica ao redor do fato de ser tão preguiçosa , e então decidi fazer algumas aulas de clássico enquanto estivesse lá. eu tentei. de verdade. tentei praticar, me forcei a ficar num porão praticando algumas vezes por semana, e transformei a “pathetique” de Beethoven em um longo chicote clássico, com o qual destruí minha preguiça. mas assim mesmo, eu odiava. gostei de ter uma “usina geradora” de música clássica na manga, e gostei de tocar essas músicas; mas também tive uma profunda sensação de inquietação: “por que diabos eu estou fazendo isso? pra provar o quê?”
eu poderia contar aquelas linhas ad infinitum e tentar fazer os rabiscos fazerem sentido. até hoje, você pode me ver murmurando “every good boy deserves.....” enquanto tento deduzir qual nota é qual quando olho para uma clave de sol.
eu sou retardada. não me pergunte por que eu não consigo lembrar que B (si) é o meio dessa pauta musical. simplesmente não consigo. posso ouvir qualquer canção no maldito rádio e tocar ela de ouvido, mas não consigo lembrar que aquela notinha no meio daquela partiturazinha é um B. oliver sacks provavelmente poderia te explicar.

enfim, na faculdade eu escapava por inúmeras tangentes de improviso nos momentos em que supostamente deveria estar praticando, mas eu estava achando difícil escrever qualquer canção durante esses anos.
depois que me formei, nunca mais passou pela minha cabeça aprender ou tocar uma peça clássica, até esse ano.

alguma coisa se mexeu dentro de mim, e decidi me re-disciplinar. no show de london do verão passado, apanhei muito pra tocar uma pequena peça de Bach. vou desenterrar e tuitar isso.

e para a pops, só escrevi um e-mail dizendo “quero tocar um concerto”. keith respondeu com diversas sugestões, de mozart a rachmaninoff a tchaikovsky, e ouvi tudo e tentei determinar o que seria mais fácil e mais explosivo com menos esforço.

eu peguei a música e comecei a praticar no começo de dezembro. neil e eu estávamos entocados por uma semana, e eu decidi praticar algumas horas por dia.
eu me encontrei com meu amigo pianista, murray barg, em Boston, e ele me ajudou a destrinchar a partitura, para ter certeza de que eu não estava lendo nenhuma nota errada.
e para entender o tempo, eu assisti no youtube alguns clips do van cliburn detonando.

logo eu percebi que, para tocar essa peça (primeiro concerto para piano de tchaikovsky), eu deveria ter começado a estudar em 2008.
não tinha jeito.
impossível.

eu pensei, por um segundo, em ligar para a pops e dizer pra eles tirarem a peça do programa. (e eles realmente não teriam se importado, a orquestra não ensaia essa merda até O DIA DO SHOW. DE VERDADE.)

mas eu não tive estômago pra isso. eu me senti completamente frustrada.

eu voltei a olhar para a peça realisticamente, e decidi que eu poderia provavelmente aprender os primeiros minutos, mas ainda assim não seria no tempo, ia ser muito tosco, e eu teria que empurrar e puxar os tempos.
mas mesmo assim, eu decidi fazer.

liguei para o meu amigo lance horne e pedi a ele para aprender o resto da peça (agradeço ctchulhu pelo lance).

beth tramou a cena do celular inoportuno, e criou o casaco “removível” de velcro (agradeço ctchulhu pela Beth).

e então eu simplesmente passei algumas horas por dia no meu apartamento em boston, pelo resto de dezembro, praticando essa merda.
acho que eu nunca, nunca na minha vida pratiquei tanto alguma coisa.
e no final das contas, a questão não era mais a performance. a performance se tornou secundária.
a questão agora era testar a minha força de vontade.

...rufem os tambores...

o resultado, senhoras e senhores ( e graças a deus alguém filmou e postou, quem quer que você seja... agradeço ctchulhu por você também).



o resultado é o que eu chamo de puro e completo “punk fucking cabaret”.

finjam que fazem até fazer, pessoal.
não tem ninguém contando os pontos.

xxxxxxxxx
AFP

2 comentários:

Gabriel Madeira disse...

Fucking cool!!!

Ludimila Hashi disse...

Gostei muito do conteúdo do post da AFP, tudo a ver com vc, aliás :), e o vídeo tá lento pra abrir aqui. A tradução está fucking great :)